22.7.05

Tenho o coração cheio de lágrimas


Hoje só me apetece chorar, e choraria muito mais se as minhas lágrimas apagassem todos os fogos deste país.
Já muito se disse sobre os incêndios, sobre a hecatombe de ver as nossas florestas reduzidas a cinzas e sobre a falta de meios para minorar tantos prejuízos, e soa-me tudo a déjà vu…e fica-se por aí mesmo, pelo perorar sobre os temas e fica tudo como antes.
Ontem, na sequência do agravamento dos vários incêndios que lavram na zona onde nasci, e da ordem de evacuação para as várias localidades, dada pela protecção civil, tive de deslocar-me perto do Piódão, onde possuo umas propriedades, e onde a minha mãe se encontra a maior parte do tempo para a ir buscar; logo no final do IC6, na confluência com a Nac.17, era impressionante a coluna de fumo que se elevava a uma altura enorme, e numa extensão absolutamente medonha que transformava toda a zona de Arganil, numa noite surreal e assustadora.
Continuando em direcção à Serra da Estrela, elevavam-se mais colunas de fumo e labaredas que superavam em muito a altura das árvores que consumiam; continuando pelo Vale do Alva, somavam-se outras e mais outras e pequenos focos iam aparecendo aqui e além, provocados pelo vento que projectava objectos incandescentes em todas as direcções, consoante o vento soprava. Aquele verde que eu bem conheço, estava a desaparecer a olhos vistos e tudo era fumo e negrume; chegando ao Parente, verificava-se o reacendimento da frente que estava já debelada, e de novo o Chão Sobral, a Malhada e o Avelar tinham sido evacuados e mesmo o próprio Parente recebera essa ordem. Quando encontrei a minha mãe, lá estava ela em casa de um amigo, com as duas cadelas e o filhote recém nascido de uma delas, e só com um saco na mão, que depois vi ser só a comida para as cadelas, e a aflição e impotência estampadas no rosto, que é como fica quem não tem meios de locomoção e não sabe como estão a evoluir as chamas. Levámo-la então connosco para verificarmos a evolução do outro incêndio que ameaça a nossa quinta, que era o mesmo que havia começado havia 3 dias em Coiço da Eira, e se propagou Casal do Rei e Cabeça, também já evacuadas e estava agora a cerca de 1 km de Rio de Mel, que fica em linha recta a cerca de 2 km da nossa quinta, o que não é nada para um incêndio daquelas dimensões, se o vento o ajudasse. Eram labaredas enormes, o crepitar assustava e só se ouviam as máquinas de rasto do exército a tentar abrir aceiros, pois com o cair da noite os meios aéreos já não se encontravam lá e não existe quase água naquela zona, não há acessos e o cansaço dos bombeiros há tantos dias lá, concerteza que lhes tirou as forças necessárias para um combate mais eficaz, ninguém aguenta uma coisa daquelas.
As brigadas de Sapadores Florestais de Alvôco das Várzeas, como conhecem muito bem a zona, são incansáveis e não iam à cama há já 2 noites, e preparavam-se para a 3ª e graças a eles as consequências foram minoradas, pois os Bombeiros propriamente ditos têm tantos incêndios para combater que chegam a um ponto que só protegem as casas, e muitas vezes nem isso conseguem, como foi o caso em muitas povoações, e há gente que ainda não sabe se lhes restou ou não algum meio de subsistência, pois se os animais não arderam junto com os currais, não é possível alimentá-los, uns por não se poder chegar lá, outros porque não têm um pedaço de verdura para lhes dar, e como se sabe o gado não sobrevive sem água ou alimento. Outros não sabem se as suas casas ficaram incólumes, e vê-se no olhar vago que as pessoas têm um ar perdido, parecendo não saber sequer onde estão, ou o que se está a passar…
Junto à Capela da Srª do Remédios em Rio de Mel, metia dó olhar em redor: o Piódão não se via, era uma nuvem negra apenas rasgada por encostas inteiras em chamas, a Malhada da Chã estava rodeada, o Gondufo era um ponto negro, tisnado desde há 2 dias, em Vide viam-se ainda inúmeros focos junto às habitações, no Cide era a mesma miséria…
Perante este cenário, a minha inquietação era enorme embora tivesse tomado um calmante, para não explodir de ansiedade entre o emprego que larguei a meio da tarde, e a viagem de 100 km que fiz a uma velocidade que não sei qual foi, mas acho que o meu Fiat Punto nunca andou tão depressa. A minha mãe insistiu em ficar face à acalmia que se notava, em virtude do arrefecimento nocturno, e do vento ter mudado em direcção contrária à da nossa propriedade, contrariada lá a deixei, com recomendações de telefonar ao minimo sinal de perigo, e de ter falado com pessoas que se prestaram a ir buscá-la de imediato se tudo se complicasse, e também por saber que a GNR estava a par da sua situação, e se prestou a avisá-la em caso de perigo, pois a quinta é isolada num vale, só com acessos próprios, não há estradas municipais.
Escusado será referir que ando com o coração nas mãos, há já 4 dias e as notícias não me deixam sossegar, pois não se fala em estarem já circunscritos, nem controlados; hoje ao fim do dia lá vou eu de novo a ver se há algum descanso para esta aflição.
O que vos desejo é um excelente fim de semana, e que não passem por nada semelhante, embora as perdas nos afectem a todos, e já agora: desculpem o desabafo…

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