18.10.06

Re-edição, há dias assim...


Dez reis de esperança

Se não fosse esta certeza
Que nem sei de onde me vem,
Não comia, nem bebia,
Nem falava com ninguém.

Acocorava-me a um canto,
No mais escuro que houvesse,
Punha os joelhos à boca
E viesse o que viesse.

Não fossem os olhos grandes
Do ingénuo adolescente
A chuva das penas brancas
A cair impertinente,

Aquele incógnito rosto,
Pintado em tons de aguarela,
Que sonha no frio encosto
Da vidraça da janela,

Não fosse a imensa piedade
Dos homens que não cresceram,
Que ouviram, viram, ouviram,
Viram, e não perceberam,

Essas máscaras selectas,
Antologia do espanto,
Flores sem caule, flutuando
No pranto do desencanto,

Se não fosse a fome e a sede
Dessa humanidade exangue,
Roía as unhas dos dedos
Até os fazer em sangue...

António Gedeão

Nenhum comentário: