3.4.05

Vitor Matos e Sá(desculpem mas não resisti)

À tua volta existe um vento antigo
Sempre pronto a lembrar pelo teu corpo
A proa dos barcos e a densa
alegria das viagens...

dentro de ti sei apenas que amas
muitas coisas belas, algumas
coisas justas e difíceis,
e como por dentro dos teus olhos temes
as pequenas ciladas da alma
e a oblíqua vertigem de estar só
nos dias vazios;

e embora não mo digas vê-se bem
a agitação com que procuras
saber do teu nome entre os espelhos
dos outros: na coragem, no saber,
na ternura ou até na companhia
mais ou menos inútil embora
desejada ( e em cartas, silêncios, ciúmes)
de quantos te cercam, de quantos devolvem
os ecos doirados da tua passagem.

E assim vais colhendo
O que há de igual (ou quase) entre
Perder e ganhar – se a derrota
E a vitória forem igualmente
Livres de angústia.

Mas já alguma vez estiveste (frente a frente)
Com a tua amargura?
Já alguma vez sentiste o hálito de Deus, sabendo
O que há de terrível em pormos
Toda a nossa alma na alma
De outra criatura?

E vermos o seu rosto repetido
Nos livros, nas portas, nos dias – enquanto
Uma boca invisível nos grita
O seu nome ( e esse nome não é
O nome exacto o rosto fácil
Do consolo, da paz
Sem perguntas)

Esse rosto, esse rosto – o que adianta
Saber que há outros, milhares de vezes
Diferentes, mais dóceis, compreensivos
Talvez melhores ou até
Mais perto,

Se aqui estou eu, um homem treinado
Por muitos combates peito a peito
Com a dor e o ódio, com as horas desertas
E as longas noites onde ninguém
Veio abrir a minha porta ou
Dizer o meu nome,
Eu criticamente duro, já, da lenha
De muitos anos, resistindo
À ternura fácil, à traição, aos compromissos
Lucrativos e discretos,

Emprestado por Deus a este corpo
(e adiado apenas de uma morte
indecifrável),
aqui, onde essa dureza nada vale
onde o próprio saber apenas torna
mais ardente e triste
combatê-lo e desejar-te.

E no entanto foi preciso
(era preciso) desejar-te assim
para saber perder-te
para saber ganhar-te até onde
sejas livre e única e diversa – aí
onde Deus nos ensina (sempre)
quem já não somos, quem ficámos
um no outro mas sem nós

apenas mais velhos
apenas mais sós...

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