15.9.05

A vermelhinha


O jogo

Aquilo era um jogo esquisito. E ainda por cima difícil. Os tipos estavam sentados no chão no cimo de umas escadinhas ali no Bairro Alto, e o maneta dava cartas com a única mão que tinha, com uma habilidade e uma velocidade espantosas. Eu tive de ver aquilo a alguma distância, pois quando tinha pretendido observar o jogo mais de perto, os quatro olharam para mim de uma maneira dizendo não sei o quê entre dentes que mais pareciam cães a quem eu estava a impedir a refeição. Assim afastei-me o suficiente para ainda poder ver como o maneta dava cartas e ganhava e os outros iam retirando cada vez mais dinheiro dos bolsos para o maneta depressa juntar ao seu monte. E quando dois dos tipos ficaram tesos e o outro pôs todo o dinheiro que lhe restava à frente dos joelhos. Apostou-o fortemente. E em duas vezes (com uma rapidez do diabo!) lá foi tudo para o maneta. Quando aquilo acabou e eles se separaram em silêncio pareceu-me ouvir o maneta ao descer as escadinhas, cantar a meia voz:
Ó minha mão minha mão
Ó minha mão minha amada
Quem tem uma mão tem tudo
Quem não tem mão não tem nada.

Joaquim Pessoa in: Português Suave 1978

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