17.11.05

Para onde nos levam os nossos passos?...


O autor deste texto é João Pereira Coutinho, jornalista. Vale a pena ler ! Como também eu não tenho filhos, acho mesmo assim que deve ser motivo de reflexão.

"Não tenho filhos e tremo só de pensar. Os exemplos que vejo em volta não
aconselham temeridades.
Hordas de amigos constituem as respectivas proles e, apesar da benesse,
não levam vidas descansadas.
Pelo contrário: estão invariavelmente mergulhados numa angústia e numa
ansiedade de contornos particularmente patológicos. Percebo porquê.
Há cem ou duzentos anos, a vida dependia do berço, da posição social e da
fortuna familiar.
Hoje, não. A criança nasce, não numa família mas numa pista de atletismo,
com as barreiras da praxe: jardim-escola aos três, natação aos quatro,
lições de piano aos cinco, escola aos seis, e um exército de
professores, explicadores, educadores e psicólogos, como se a criança
fosse um potro de competição.
Eis a ideologia criminosa que se instalou definitivamente nas sociedades
modernas: a vida não é para ser vivida - mas construída com sucessos
pessoais e profissionais, uns atrás dos outros, em progressão geométrica
para o infinito.
É preciso o emprego de sonho, a casa de sonho, o maridinho de sonho, os
amigos de sonho, as férias de sonho, os restaurantes de sonho, as quecas
de sonho.
Não admira que, até 2020, um terço da população mundial esteja a mamar
forte no Prozac.
É a velha história da cenoura e do burro: quanto mais temos, mais
queremos. Quanto mais queremos, mais desesperamos.
A meritocracia gera uma insatisfação insaciável que acabará por arrasar o
mais leve traço de humanidade.
O que não deixa de ser uma lástima.
Se as pessoas voltassem a ler os clássicos, sobretudo Montaigne, saberiam
que o fim último da vida não é a excelência, mas sim a felicidade!"

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