1.3.06

Estórias de vida...

Vou contar-vos conforme havia dito, mais uma estória, ou várias numa só, como queiram; a Manel foi alguém que eu conheci e de quem acompanhei mais ou menos o percurso em várias fases da sua vida, e de quem fui confidente muitas vezes, pois ela confiava em muito pouca gente, bem como poucos confiavam nela. A Manel já morreu, como acontece em muitos casos similares, morreu jovem, mas as suas palavras ficaram gravadas cá dentro, e ela dizia muitas vezes: “se as pessoas soubessem o que eu passo, o que eu sofro com isto, será que não me estenderiam a mão?”. Eu estendi por várias vezes, umas ela não aceitou, outras, dizia que era melhor não, que não queria enganar-me como fazia com os outros e perder a única amiga que tinha, eu sei que ela não se importaria que eu a escrevesse.
Vou optar por contá-la em Capítulos por ser algo longa.

Capítulo I

Chamava-se Maria Manuel, mas todos a tratavam simplesmente por: Manel.
A Manel era espevitadota nos seus 26 anos, já tinha passado por muita coisa no meio em que se movia, sabia sempre onde e quem tinha as melhores “cenas”, isto quando não era ela própria a tê-las por meio de algum traficante de fora, caído do céu sem conhecer quase ninguém. Ela tinha jeito, convencia-os sempre que não era uma dealer de risco, afinal até era mulher e conhecia toda a gente, e além do mais o seu aspecto sempre impecável, desviava qualquer suspeita, e realmente o que viam não era comum: uma “janada” com tão bom aspecto, bem vestida e bem falante.
Mas como sempre, a Manel foi-se afundando mais e mais, num vício insaciável até perder tudo e ganhar o desprezo da família, dos conhecidos que enganava à primeira oportunidade, como é costume quando se percorre essa estrada.
O Joka, mais conhecido por Cagalhão Saltitante, devido ao seu andar peculiar e com uma destreza de mãos para fechaduras e afins, fora do comum, é o nosso outro personagem central.
A Manel e o Joka conheciam-se desde os tempos do Liceu, pois ele era mais velho uns 3 anos, mas namorava uma colega dela e passava lá a vida. Durante muitos anos os seus caminhos não se cruzaram, ele trabalhara muitos anos no estrangeiro, mas não fora só dinheiro que ele trouxera de lá, veio também “agarrado” ao pó.
E foi por essa razão que os seus caminhos se voltaram a cruzar e num dia em que ela já não sabia o que fazer, ou para onde ir, no meio de uma ressaca de “criar bicho”, como ela costumava dizer, o Joka apareceu e tirou-lhe os arrepios e perguntou-lhe se não queria ir com ele até ao Algarve, “fazer-se à vida”...não, não era prostituir-se, era roubar, falsificar e enganar, a ela não lhe parecia tão grave...
Foram juntos com outro casal de dealers, que iam numa de passar férias, pois o Joka já lá havia estado e estava junto com outro gajo numa casa modelo de uma urbanização inacabada, na qual o autorizaram a morar; mas o que nós não sabíamos, era que o Joka fez merda quando lá esteve na semana anterior, ou então o chavalo teve galo...
(passo a contar a estória na primeira pessoa, como ela me foi contada para alterar o mínimo possível e a memória das suas palavras não me traia tão facilmente)
Mal chegamos lá fomos direitos ao apartamento e por lá ficámos um bocado, de repente tocam à porta e o moço da casa foi abrir, quando lhe dão de imediato um encontrão e um soco no estômago, e entram um gajo com cara de ave de rapina, magrito mas com muito mau feitio e sobretudo, burro que nem uma porta; o outro era tipo armário, p’raí 1,80m de altura, por 0,90m de largura e por sinal, também burro que nem uma carroça. Gente burra é do mais perigoso que há, se juntarmos a isso uma propensão inata para a violência, que já tinha ferido 4 polícias e morto outro, metido nas drogas sem saber o que aquilo era, e sempre acompanhado pelo fuínha que tinha a filha da putice entranhada no sangue, eram a fome e a vontade de comer, juntas.
O Joka tinha saído para fazer não sei o quê, e eles não saiam de lá sem “falar” com ele...
Queriam acertar-lhe o passo, pois tinha vendido uma cena qualquer a um primo do “armário” e o gajo a dar o caldo, ou tocou algum nervo ou aquilo era merda mesmo, e o gajo ficou com o braço preso, incapaz de fazer um manguito para o resto da vida...
Como diria o brasileiro: fodeu-se cara!...começaram a virar a casa de pantanas à procura de pó ou dinheiro, o que quer que fosse; os desgraçados que tinham ido connosco, ficaram logo sem as gramas que levavam para as férias e ainda levaram uns chapadões.
Entretanto o Joka tinha topado o carro dos gajos à porta, e dá de frosques claro, o pouco mais de 1,60m e o corpo franzino, determinavam a técnica de ataque, que neste caso era: a fuga...
E nós lá dentro, fodidos sem pó e a ressacar, já ali estávamos há 3 horas quando o fuínha descobre um spray que o Joka tinha no saco da roupa, (que eles levaram toda) daqueles de defesa pessoal que fazem arder os olhos e a garganta, e desata a borrifar-me aquilo para a cara, para lhes dizer onde estava o Joka, facto do qual eu não tinha a mínima ideia.
Por fim lá aparece o Joka e tenta falar com o par de bestas, mas em resposta só recebe murros e chapadas, para além de termos ficado sem nenhuma roupa, sem pó e com uma ressaca do tamanho de uma casa.

(continua)

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