3.4.06

Memórias que me fazem sorrir


Desculpem lá mais uma algo longa estória das minhas.

Isto de ter tempo para remexer nas velhas pastas e caixas cheias de fotos, ou seja, nos baús da memória, faz com que encontremos coisas que nos recordam situações, ou épocas passadas, umas gratas, outras nem tanto...
Neste caso que passo a referir, as memórias são felizes, não sei se a vivência o foi de facto, mas na memória foi o que ficou, uma época de desprendimento, juventude e sobretudo de despreocupação.
Corria o ano de 1981, eu tinha deixado de estudar, ou melhor: chumbei por faltas; tudo porque conheci o meu marido e largava tudo para ir andar de mota com ele, então, mal ouvia o som da mota no Largo da Portagem ( a mota era de competição e fazia um barulho ensurdecedor), eu que estudava do outro lado do rio no Liceu D. Duarte, pedia logo para ir ao WC e nunca mais aparecia, pois na altura eu achava que era preciso viver e não, aprender aquelas coisas chatas.
O meu marido sempre teve uma predilecção por carros antigos, sobretudo pelos Peugeot e nessa altura um amigo dele tinha um que havia comprado, mas acho que lhe tinham posto óleo Fula no circuito dos travões e ele não tinha dinheiro para o arranjar, nem percebia nada de mecânica e decidiu vendê-lo ao meu marido por 15 contos, nunca mais de esqueci do nome registado no livrete:” Peugeot 403 Berline, Grand Luxe, toit fixe” Eh! Eh! Eh!
Era assim parecido com o do detective Colombo só que em vez de ser totalmente descapotável, tinha tecto de abrir sobre os bancos da frente, tinha 1500 cc e era um peso pesado de quase 2 toneladas. Mal o comprou, toca de ir com ele para Mira, sem travões nem nada e com a bateria a morrer aos soluços, direitos a uma oficina em Carromeu onde costumavam arranjar as sucatices.
Eu nesse dia não fui por qualquer motivo e quem o acompanhou, foi um amigo nosso que é a pessoa mais louca varrida, que já conheci na minha vida, mas quando digo louco, não é que se notasse, tinha (e ainda tem) uma excelente figura, fino trato e finos gostos, só que era capaz das maiores loucuras, pode ser que um dia vos fale dele, mas agora, adiante: então, depois de arranjarem os travões, verificaram que a bateria estava completamente morta e eles na oficina não tinham para venda, e de repente pergunta o Rui (o tal amigo) ao dono da oficina:
- De quem é aquele carro que está ali encostado?
Ao que ele responde: “ Esse é de um cliente que o veio deixar hoje, para lhe mudar as pastilhas e vem buscá-lo amanhã.”
- Então, podias emprestar-nos a bateria só para irmos a Aveiro num instante, e lá compramos uma e trazemos esta de volta ainda hoje.
O dono primeiro disse que não, que era mau filme se o cliente aparecia por qualquer motivo e tal, mas lá acabou por ceder, então começaram a tratar do assunto, mas o meu marido ainda nem tinha visto bem o carro e andava de volta e por baixo dele, a ver se teria mais algum problema mecânico ou de corrosão, enquanto o Rui tratava de colocar a bateria que não assentava lá muito bem e teve de lhe ser feita uma cama com uns cartões para ela não se mexer muito, e lá arrancaram.
Acho que não fizeram mais de 5 Km, começou uma fumarada a sair do capot, encostaram de imediato e mal se abre, o dito já estava em labaredas, pois o Rui não reparou que os colectores de escape ficavam mesmo ao lado, encostou os cartões ao colector e este mal aqueceu, pegou fogo como é óbvio...
Aquele modelo, apesar de não ter banco corrido à frente, como tinha mudanças ao volante e o travão de mão era no tablier, dava bem para andarem 3 pessoas à frente, tinha era um problema com as fechaduras das portas da frente, umas vezes não fechavam, outras, não abriam. Uns meses mais tarde à noite, vínhamos três à frente, o meu marido, eu e um amigo nosso que tinha a alcunha do “Testas” pois tinha uma testa alta e muito luzidia , mais 3 “marmelos” atrás, a deslizar em ponto morto pela Nicolau Chanterenne abaixo, rua essa que tinha carros estacionados ao longo do lado direito e dois sentidos. Eu estava a fazer qualquer coisa nos sapatos, inclinada para a frente e começo a ouvir: ó pá olha aquele gajo! Olha! olha! Olha o ...crash! Puumm! Panktrapam! Fschssssssss!!!!!....nem cheguei a ver o gajo ainda inteiro, achei-me debaixo do tablier, com o Testas por cima de mim e quando olho para o banco do condutor é que me assustei, o volante devia estar a uns 10 a 15 cm do encosto do banco, pois não eram como agora, que quando bate quebra, aquilo era um veio directo da direcção, ao volante e muita gente morria esmagada por esse facto, a minha porta não abria, saímos pelo tecto de abrir por onde tinha saído o António, como me apercebi quando o vi encostado a um muro, a arfar com falta de ar, eu estava menos mal, os que iam atrás também não se tinham aleijado muito, o Testas, coitado, tinha batido com a dita (testa) no tablier, o que ainda a tornou mais saliente e segundo ele, lhe provocou uma dor de cabeça que durou uma semana...então, os que iam atrás e o António é que se aperceberam, nós íamos em ponto morto e numa curva, cheia de carros estacionados à nossa direita, vem um Fiat 127 em sentido contrário a circular em velocidade excessiva e a meio da curva, perde o controle do carro e saiu da mão, para cima de nós.
A sorte foi que o Peugeot era rijo como’s cornos e aguentou o embate, mas morreu ali coitado; o meu marido quando recuperou o fôlego e olhou e viu o carro com a frente completamente destruída e o 127 prontinho para a sucata, deu-lhe uma fúria das dele e toca de ir à mala do carro buscar o ferro de desapertar rodas; sem querer saber que o puto, que pelos vistos tinha acabado de tirar a carta e tinha pedido o carro ao pai para sair com a namorada, estava cheio de sangue com a cabeça partida, ou seja, feito num molho de bróculos, mas como ia dizendo, o meu marido de ferro em riste atrás do desgraçado, que mesmo cheio de sangue e todo torcido conseguiu fugir até à clínica que há frente a minha casa onde se refugiou, tendo assim a falta de ar do meu marido impedido que acontecesse alguma desgraça ainda pior...
A companhia de Seguros pagou-nos perda total que avaliou em 60 contos; para compensar, o meu marido comprou logo 2 de uma vez, cada um por 20 contos, um que vendeu passado pouco tempo, que até estava bom de chapa, mas o motor não andava e este da foto que estava muito podre, estacionado havia 3 anos encostado a um muro numa zona sombria, e já tinha uma mini horta lá dentro, mas parece que foi só pôr gasolina, bateria e limpar uns contactos e tá a andar; e se andava...andava tanto que começámos a aperceber-nos que pelos enormes buracos que tinha nas embaladeiras, capot e nas portas, saiam pedaços de ferrugem enormes, com chapa agarrada e achámos melhor arranjar uns autocolantes, o maior possível para não perdermos tanto “lastro”, os maiores que conseguimos foram da Furacão, para as embaladeiras e para o resto, o que se pode ver, só não consegui grande solução para o buraco debaixo do tablier do lado do pendura, cada vez que passava numa poça de água ou se chovia, tinha de levantar as pernas...
Nesse ano, como regressámos à Suiça, deixámo-lo à guarda do nosso amigo Rui, e quando chegámos uns meses mais tarde, foi neste estado que o encontrámos, não muito diferente do que era antes, só um bocado mais sujo...

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