28.4.06

No tempo das vacas gordas


Quem conhece bem, ou vive ou já viveu em Coimbra, sabe que um dos meeting points mais conhecidos é a Praça da República, onde convergem várias ruas e a Avenida Sá da Bandeira , fica muito perto das Faculdades e da animação nocturna ou diurna e também das cantinas mais concorridas da Universidade.
A Praça (como é simplesmente chamada pelos autóctones), parece uma cratera aberta no meio da cidade, pois ela é plana e todas as ruas em seu redor são bastante inclinadas, sobretudo em direcção aos Arcos do Jardim, à rua de Tomar ou em direcção à Cruz de Celas, cuja rua vemos imagem e tem o nome de Lourenço Almeida Azevedo.
Como foi acontecendo noutras cidades, os eléctricos foram sendo retirados e substituídos por autocarros, mas a minha juventude foi passada em contacto estreito com eles, tão estreito que por vezes viajava pendurada, como via os miúdos fazer e volta e meia: pumba!! Lá mandava um “terno”, pois ainda não tinha aquela perícia que eles tinham de saltar em andamento, quando o revisor começava a gesticular lá dentro, direito à parte de trás, para correr connosco.
O meu marido como é 7 anos mais velho que eu, teve uma vivência ainda mais intensa da cidade, pois essa diferença que agora quase não se nota, naqueles tempos era muito grande de ano para ano, fosse pela intensidade do tráfego ou pelas velhas relíquias e hábitos da cidade, que iam sendo alterados. Ele pertencia àquilo que era uma elite na altura, constituída pelo pessoal que tinha uma mota ou motorizada, ainda por cima, tinha (e tem) uma perícia em duas rodas, muito difícil de igualar e esse facto (além de outros que agora não vêm ao caso),tornou-o muito popular.
Os amigos dele mais chegados até tinham motas melhores e mais potentes, mas faltavam-lhes as “mãozinhas” para as levar ao limite e arriscar como ele; alguns anos mais tarde na Honda 175 Scrambler, venci com ele – como pendura, claro – alguns despiques nas ruas mais movimentadas e difíceis, contra uma Kawasaki 750 de um amigo que era o que mais tentava imitar-lhe as maluqueiras, nas rectas ficávamos para trás, mas apanhávamo-lo sempre nas curvas, que muitas vezes se faziam com a roda de trás assente no passeio e os joelhos rente ao chão.
A malta mais nova queria era despiques, corridas, fugas ao “Baby Face” que era o Polícia de mota, de “estimação” do pessoal racing, pois era o único que se dava ao trabalho de os perseguir, pelo menos até se porem a subir quaisquer escadas que encontrassem, nessa altura desistia, pois a mota era muito baixa e optava por esperar o meu marido à porta de casa para lhe dar mais uma descasca.
Os putos mais novos, para se tentarem integrar no grupo, volta e meia apareciam com bidons cheios de gasolina que tinham roubado de alguns carros, para a oferecerem ao pessoal das motas e claro que eles não se faziam rogados, mas por vezes era tanta, que nem sabiam o que lhe haviam de fazer, nessa altura, inventavam...
Esta rua era percorrida em ambos os sentidos por eléctricos, que à noite eram muito menos frequentes e de madrugada, quase não havia trânsito, só mesmo o pessoal que saía do ETC. que era a única Boite da cidade, e que ficava mais ao menos ao cimo desta rua; numa dessas noites em que sobrou gasolina e estavam sem saber o que fazer, lembraram-se de quê? De deitar a gasolina nos carris lá ao cimo, junto às escadas do Liceu D. João III (agora José Falcão), deixá-la chegar à Praça ou quase e então, deitar-lhe o fogo...
Imaginem esta rua de noite, com quatro linhas paralelas a arder por ali abaixo, eu não cheguei a ver, mas diz quem viu que foi digno de nota e só foi pena, naquela altura ninguém ter máquina fotográfica para que ficasse para a posteridade.

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