2.9.06

Marrocos 1983 (continuação)

Ao fundo, a aldeia que actualmente deve estar muito diferente
Num jardim de Tetouan a beber um chá; o gorro do Abdul é consequência de uma outra estória que eventualmente contarei mais tarde

Capítulo II

Existiam uns banhos Turcos lá na aldeia, mas estava fora de questão serem utilizados por turistas e menos ainda, por mulheres. Sugerimos ao Abdul o aluguer completo das instalações só para nós, o que ele foi então falar com o responsável, ele acedeu, mas só depois das 21h, que era quando fechava ao público, tudo bem.
As instalações tinham uma aparência algo lúgubre, com um forte cheiro a mofo, mas lá entrámos; as 3 câmaras eram separadas por pesadas portas com pedregulhos presos com cordas, para fecharem o melhor possível. A seguir ao balneário, entrava-se na câmara fria, depois na morna e por fim, na quente onde ficámos a atirar baldes água uns aos outros e a relaxar no silêncio e a conversar um pouco. Ao tirar um balde de água do tanque, apercebi-me de uma barata que trepava pelo balde acima, o Abdul fez um gesto de desprezo e acrescentou: “Ah! Isso é normal a esta hora, já não costuma estar aqui ninguém, não te preocupes que deves encontrar mais.”
Bom, eu nem sou muito enojada nestas coisas, mas não gosto nada do barulho que elas fazem ao serem esmagadas e evito ao máximo fazê-lo. Bem, terminada a sessão de banhos, tínhamos de atravessar novamente as outras câmaras, para chegar ao balneário; pedi ajuda aos homens para me abrirem a porta e comecei a ouvir um barulho, um crepitar estranho que ecoava na câmara morna. À medida que os meus olhos se habituaram à escuridão, comecei a ter uma daquelas visões que só se têm ao ver um qualquer filme do Indiana Jones; não eram meia dúzia, nem dezenas, nem centenas: eram milhares de baratas que surgiam dos cantos, cobrindo literalmente o chão, não havia sítio para colocar nem um dedo, quanto mais um pé e cobriam toda a divisão até à porta seguinte, vindo na nossa direcção à procura do calor da câmara onde estávamos.
Como diz a minha mãe: o que não tem remédio, remediado está! Ali não havia escolhas, rilhei os dentes , fechei os olhos e comecei a caminhar sobre elas e a senti-las na planta dos pés (estávamos descalços) a estilhaçarem-se e outras a conseguir trepar pelas pernas acima, a porta longe, tão longe que nunca mais lá chegava...
Acho que cheguei ao balneário em estado de choque, se bem me lembro só me ria, com os nervos (agora dá-me para chorar; deve ser da velhice) e até o Abdul vinha impressionado, embora já estivesse habituado, nunca vira tamanha profusão de baratas por metro quadrado.
As nossas reacções podem surpreender-nos, se me perguntassem se seria capaz de caminhar descalça num monte de baratas, é claro que eu diria logo que não, mas quando não temos outra hipótese, somos capazes dos actos mais abjectos ou que simplesmente, nos repugnam.
Esta minha estada em Marrocos, tem outras estórias interessantes, mas não as referi agora, para que a leitura não se vos afigure demasiado pesada.

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