1.9.06

Marrocos 1983

o criado a chegar com as compras; à esq. o Abdul e à direita o Bernard
À porta de casa; a janela do meu quarto era aquele triângulo

Vou dividir em duas edições, uma narrativa sobre a minha única ida a Marrocos, já há uns anitos. Tento ser o mais concisa possível, mas há pormenores que para mim são importantes, daí o relato se tornar algo longo.
Acreditem que tudo aconteceu conforme o relatado, lamentavelmente, como no episódio da ratazana, não tenho fotos que o atestem, só a minha palavra.
Acompanho com umas fotos em muito mau estado, pois o rolo esteve muito tempo dentro da máquina, que ainda por cima, não valia nadinha.

Capítulo I

Corria o ano de 1983, a Primavera ainda não tinha chegado para mitigar o frio de um Inverno impiedoso, em que até em Coimbra nevou e por azar, a viagem de comboio da Suiça para cá, foi feita no fim-de-semana em que isso aconteceu. No compartimento em que viajávamos 6, as janelas estavam cobertas de cristais de gelo da parte de dentro, decidimos colocar as malas entre os bancos e deitarmo-nos atravessados sobre elas, muito aconchegadinhos, embora nenhum de nós se conhecesse, este é o tipo de coisas a que a necessidade obriga, pois o sistema de aquecimento tinha congelado ainda em França e até cá foi sempre a bater o dente. Não se esqueçam que já lá vão uns anitos, só vinte e três, mas os comboios melhoraram muito desde essa altura.
Chegou o mês de Abril e vieram as “águas mil”. A minha vida nessa altura, com 19 anos feitos há pouco, resumia-se ainda à busca de aventuras na companhia do meu actual marido, pouco pensando em meios ou consequências. Felizmente ele tinha alguns meios de subsistência que nos permitiam viver sem trabalhar, fazendo algumas loucuras pelo meio; como não parava de chover, decidimos ir até Marrocos, simplesmente agarrar na tenda e arrancar....
Na nossa juventude nem nos lembrámos que era necessário um Visto de entrada, escusado será dizer que só chegámos até Ceuta, onde ficámos uns dias e onde, por azar, o tempo também não estava grande coisa.
De volta a Coimbra, o tempo continuava chuvoso e nada agradável, o que nos fez rumar de novo a Marrocos, mas desta vez já com visto da Embaixada.
Passada que foi a fronteira, optámos por dirigir-nos a Tetouan e depois decidiríamos o que fazer; levávamos a roupa mais velha e rota que tínhamos e uma mochila cada um, para não dar ar de turistas endinheirados, o que naquela altura era meio caminho andado para se ser assaltado. Decidimos apanhar um táxi e descobrimos que os táxis não eram só para nós, mas sim, para quantos coubessem lá dentro; íamos 6 e um deles, chamado Abdul Akrech, falava muito bem francês e era muito simpático, começámos a conversar e de imediato convidou-nos para ficar em sua casa, numa pequena aldeia a 45 km de Tetouan, que se chamava Oued Lao, uma particularidade interessante, é que a estrada até lá tinha, nada mais, nada menos, que 244 curvas...
Aceitámos a simpática oferta, pois ele dizia que lá estava também um francês que conhecera e convidara, tinha um criado para nos preparar as refeições e uma praia enorme e sem ninguém, pois naquela altura ainda não tinha sido invadida pelo turismo.
Realmente, aquilo era uma aldeia rural, à qual chegámos de camioneta, rodeados de galinhas, cabras e ovelhas (sim, dentro da camioneta) e uma lotação muito além do permitido, mas que conseguiu fazer da melhor maneira as tais 244 curvas, sem qualquer acidente, só os tradicionais subornos às forças da ordem, que volta e meia nos obrigavam a parar, limitando-se a estender o braço à espera das moedas.
A claridade do sol em Marrocos é perturbante, a janela do nosso quarto não era mais do que um triângulo, com 15 cm de lado, mesmo assim às 7 da manhã, já não se conseguia ter os olhos fechados com tanta claridade e tínhamos de levantar-nos; vínhamos então para o exterior onde geralmente já estava o Abdul a escrever e o Bernard, o tal francês que lá estava de férias também, o criado preparava então uns ovos mexidos e um chá maravilhoso, para poder depois acender o cachimbo e passar o resto do dia a fumar Kief, que é permitido, ou era, pois não tem THC, não passa de uma mistura de talos e folhas de Cânhamo e só dá é dores de cabeça, como constatei quando provei.
Logo em Tetouan, o Abdul advertiu-me para não andar sem lenço na cabeça e ter o corpo bem coberto, pois apesar de ser turista eles não toleravam muito bem essas coisas, lá tive de comprar um lenço e um vestido até aos pés.
Em Oued Lao, estava-se bem, era uma aldeia muito calma. Só existiam dois Cafés, onde só os homens podiam estar, as mulheres passavam o dia a trabalhar em casa e na agricultura, segundo nos explicou na altura, cada homem podia ter 4 esposas (vulgo: mulas de trabalho) em cada casa, daí, quanto mais casas e mulheres tivesse para trabalhar para ele, mais rico era...o meu António pensou seriamente em ir viver para lá (quatro gajas????...) o pior eram os camelos que ele não tinha para a troca...
(continua)

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