12.10.05

Uma história de Amor


Podem achar uma seca, mas para mim é deliciosa...

Esta é uma redacção feita por uma aluna do curso de Letras, e que obteve
vitória num concurso interno promovido pelo professor da cadeira de
Gramática Portuguesa.


"Era a terceira vez que aquele substantivo e aquele artigo se
encontravam no elevador. Um substantivo masculino, com um aspecto
plural, com alguns anos bem vividos pelas preposições da vida. E o artigo era
bem definido, feminino, singular: era ainda novinha, mas com um maravilhoso
predicado nominal. Era ingénua, silábica, um pouco à tona, até ao contrário
dele: um sujeito oculto, com todos os vícios de linguagem, fanático por
leituras e filmes ortográficos.
O substantivo gostou dessa situação: os dois sozinhos, num lugar sem
ninguém ver e ouvir. E sem perder essa oportunidade, começou a insinuar-se, a
perguntar, a conversar. O artigo feminino deixou as reticências de lado, e
permitiu esse pequeno índice.
De repente, o elevador pára, só com os dois lá dentro: óptimo, pensou o
substantivo, mais um bom motivo para provocar alguns sinónimos.
Pouco tempo depois, já estavam bem entre parênteses, quando o elevador
recomeça a movimentar-se: só que em vez de descer, sobe e pára
justamente no andar do substantivo.
Ele usou de toda a sua flexão verbal, e entrou com ela em seu aposto.
Ligou o fonema, e ficaram alguns instantes em silêncio, ouvindo uma
fonética clássica, bem suave e gostosa. Prepararam uma sintaxe dupla para ele e um
hiato com gelo para ela. Ficaram conversando, sentados num vocativo, quando
ele começou outra vez a insinuar-se. Ela foi deixando, ele foi usando
seu forte adjunto adverbial, e rapidamente chegaram a um imperativo, todos os
vocábulos diziam que iriam terminar num transitivo directo. Começaram a
aproximar-se, ela tremendo de vocabulário, e ele sentindo seu ditongo
crescente.
Abraçaram-se, numa pontuação tão minúscula, que nem um período simples
passaria entre os dois.
Estavam nessa ênclise quando ela confessou que ainda era vírgula. Ele não
perdeu o ritmo e sugeriu uma ou outra soletrada em seu apóstrofo.
É claro que ela se deixou levar por essas palavras, estava totalmente
oxítona às vontades dele, e foram para o comum de dois géneros. Ela totalmente voz
passiva, ele voz activa. Entre beijos, carícias, parónimos e substantivos,
ele foi avançando cada vez mais: ficaram uns minutos nessa próclise, e ele, com
todo o seu predicativo do objecto, ia tomando conta.
Estavam na posição de primeira e segunda pessoas do singular: ela era um
perfeito agente da passiva, ele todo paroxítono, sentindo o pronome do seu
grande travessão forçando aquele hífen ainda singular. Nisso a porta abriu
repentinamente. Era o verbo auxiliar do edifício. Ele tinha percebido tudo,
e entrou dando conjunções e adjectivos aos dois, que se encolheram
gramaticalmente, cheios de preposições, locuções e exclamativas.
Mas, ao ver aquele corpo jovem, numa acentuação tónica, ou melhor,
subtónica, o verbo auxiliar diminuiu seus advérbios e declarou o seu particípio na
história.
Os dois olharam-se, e viram que isso era melhor do que uma metáfora por todo
o edifício. Que loucura, meu Deus. Aquilo não era nem comparativo:
era um superlativo absoluto.
Foi-se aproximando dos dois, com aquela coisa maiúscula, com aquele
predicativo do sujeito apontado para seus objectos. Foi chegando cada vez mais perto,
comparando o ditongo do substantivo ao seu tritongo, propondo claramente
uma mesóclise-a-trois. Só que, as condições eram estas: enquanto abusava de um
ditongo nasal, penetraria ao gerúndio do substantivo, e culminaria com um
complemento verbal no artigo feminino.
O substantivo, vendo que poderia transformar-se num artigo indefinido depois
dessa, pensando em seu infinitivo, resolveu colocar um ponto final na
história: agarrou o verbo auxiliar pelo seu conectivo, jogou-o pela janela
e voltou ao seu trema, cada vez mais fiel à língua portuguesa, com o artigo
feminino colocado em conjunção coordenativa conclusiva."

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